Sem Pipoca

Papo sobre cinema, filmes, interpretações, roteiros. Se você só gosta de "campeões de bilheteria" talvez deva procurar um local mais apropriado...

Monday, July 23, 2007

Cão sem Dono

Descendo a ladeira

Não sei o que acontece com Beto Brant. Ou talvez não saiba o que acontece comigo. A julgar pelos dois primeiros longas do diretor, achei que estivesse diante de um sério candidato a se tornar meu diretor nacional predileto. Os Matadores tem uma crueza e um ritmo que me cativaram e a intensidade dramática dos pouco mais de 60 minutos de Ação Entre Amigos eram vertiginosos. Depois disso, e apesar de as críticas serem na maioria favoráveis, não consegui gostar de mais nada do que ele fez. E o ápice de meu desagrado foi atingido com este Cão Sem Dono.

O filme se baseia num romance de um jovem escritor chamado Daniel Galera e é totalmente ambientado em Porto Alegre. Para os preconceituosos que ainda têm esperança de que o sul do Brasil ajude a dar mais civilidade ao resto do território nacional, esqueçam. As personagens são pálidas, limitadas, desmotivadas, exatamente como julgam o resto da grande massa nos demais estados.

O protagonista é um à toa, tradutor literário desmotivado, intelectualizado e inútil, capaz de recusar trabalho mesmo num estágio de pré-miséria. Claro, é um pequeno burguês, que pode manter esta aparência de intelectual entediado com o mundo porque, quando a fome aperta, ele vai pra casa da família filar um rango. Sabe-se lá como, arranjou uma namorada, muito mais bonita que ele, que tem mais sonhos que ele e funciona como um elo entre o marmanjão e o mundo que trabalha para ganhar dinheiro. Como 90% das meninas bonitas interioranas, ela nutre o sonho dourado da fama como modelo. Através dela, o rapaz tem alguma reação emocional, porque a personagem é atropelada por um taxista folgado e depois fica gravemente doente, levando o cara quietão a se desesperar e cair no vício. Não peça para elaborar mais porque não tem muito mais que isso na história.

Brant optou por trabalhar com caras desconhecidas do grande público, para conferir maior veracidade à história que é filmada em passo de cágado, sem "artificialismos", num cruzamento de Dogma 95 com Big Brother Brasil - sem a mis-en-scène global, claro. Quase parece um documentário a respeito daquelas pessoas desinteressantes. O diálogo é óbvio e de uma profundidade semelhante à das praias maranhenses, onde se pode andar quase um quilômetro com água na cintura. O produto é um Brasil sem conteúdo, desmotivado, sem recursos emocionais e conformado com a vida tragicamente vazia que leva. Será que era este o objetivo deste filme? Se era chamar atenção para a inviabilidade de um país formado por gente assim, ele é um gênio. Por todas as outras interpretações, trata-se apenas de um filme muuuito chato.

Cotação: zzzzz...

Wednesday, March 07, 2007

E O Oscar foi para...

a Gangue de Martin Scorcese

Sim, eu gostei do resultado do Oscar 2006. Por mais que os críticos torcessem por Clint Eastwood e virassem o nariz para Os Infiltrados, achei que a estatueta de melhor filme ficou em boas mãos. O roteiro é instigante e mesmo toda a violência não o torna banal. Leo DiCaprio e Mark Whalberg em surpreendentes interpretações, ajudados por Jack Nicholson e Martin Sheen. O mais burocrático ali era Matt Damon, o eterno Ripley. Apesar de grande o enredo prende a atenção.

Se tivesse ficado nas mãos de Eastwood não teria sido um absurdo. O filme é muito bom, com a sensibilidade característica do diretor. A coragem de fazer uma fita falada em japonês, com uma fotografia pálida e que serve como contraponto a outra produção que aborda o mesmo tema sob o ponto de vista americano merece louvor. Só ele tem crédito hoje em Hollywood para uma "loucura" destas. Só faço um reparo: ainda que sob o prisma japonês, o roteiro dá um jeitinho de colocar o americano como justo, humano que não cometia a maldade de fazer os comandados morrerem pela honra.

Miss Sunshine perdeu fôlego na competição da Academia, assim como Babel. E a Rainha, um filme interessante, inteiramente iluminado pelo talento de Helen Mirren. Mesmo assim há quem diga que Judi Dench está ainda melhor em Notas Sobre um Escândalo. Na onda politicamente correta da comunidade cinematográfica, Peter O'Toole acabou sacrificado pelo Idiamin de Forrester Whitaker.

Já nos coadjuvantes, Jennifer Hudson ganhou pelo derrotadíssimo Dreamgirls que não conseguiu ganhar sequer o prêmio de melhor canção. Até Eddie Murphy perdeu, para Alan Arkin, o avô doidão de Miss Sunshine. A outra surpresa da noite foi o fato de um filme alemão pouco comentado no Brasil ter roubado a noite do mexicano Labirinto do Fauno que quase ganha o mesmo número de prêmios de Os Infiltrados.

Para quem já premiou A Vida É Bela e Shakespeare Apaixonado, a Academia fez bonito em 2006.

Thursday, December 21, 2006

5x2

Ilusões perdidas

François Ozon é um mestre do não dito. Sua sólida filmografia, calcada em torno dos dramas que atingem aqueles que se arriscam a amar, foge do clichê que associa o cinema francês a uma verborragia beirando o insuportável. Seus personagens falam na medida certa. Muitas vezes seus silêncios são mais substantivos que seus respectivos discursos.

Com 5x2 não é diferente. A alcunha nacional Amor em Cinco Tempos não é das piores, ainda assim perdeu a mensagem fundamental: o filme conta a mesma história sobre cinco perspectivas diferentes. A relação entre duas pessoas em cinco momentos de vida. É difícil falar da história sem estragar a surpresa do filme, por isso, abstenho-me.

Assim como das outras vezes, o que este homem e esta mulher dizem é tão relevante quanto os olhares que trocam, as palavras que não dizem, a tristeza que engolem. Crueldade, melancolia e felicidade ganham contornos diferentes sob a câmera de Ozon. Nem todo amor é triste, mas como é triste ter a noção de que as ilusões que temos na vida não são suficientes para construir uma relação sólida e feliz. Proponho que os diretores que pretendam fazer romances daqui pra frente, façam um estágio, pelo menos, assistindo a filmes como 5x2.

Nota: Inesquecível.

Tuesday, May 23, 2006

Árido Movie...

...Também nas versões rarefeito e raso

Não precisamos ir até o Oriente Médio, à África ou ao interior dos EUA para ver deserto. Basta irmos ao semi-árido nordestino. Terra seca, infértil, em que água é artigo raro, utilizado como moeda de troca, política, social e até espiritual.

A aridez da terra parece contaminar o resto. Desde o início, Árido Movie deixa claro que pretende mostrar o Brasil dos rincões, de como ele está parado no tempo. Talvez daí se explique o contraste das cenas modernas em São Paulo e Recife com o total atraso do povo do sertão. O celular é velho, os carros são velhos, a música é dos anos 70, a gente pensa de forma antiga.

Mas de certa forma também influi sobre a vida do Brasil que costumamos entender como a locomotiva do país, onde se trabalha, há modernidade cultural e de todos os meios. A morte de um pai devasso e ausente desde sempre obriga o protagonista a mergulhar num universo completamente estranho que, embora fosse sua terra natal, nada tem a ver com ele. Nem mesmo os amigos de infância, que continuam a viver no Recife.

A premissa é interessante mas a realização confusa. O espectador não é convidado a se solidarizar com a estranheza do personagem principal, pois também segue a história da mocinha, interpretada pela competente Giulia Gam, uma documentarista que fica estupefata diante de um caso inacreditável de messianismo, tão próprio dos lugares miseráveis. Não dá também pra gostar do trio de maconheiros que formam o trio cômico da trama. Passam o tempo todo "puxando unzinho", sem conseqüência, sem sentido assim como o próprio desfecho da história.

Ficou a sensação de algo que poderia ser bom mas não é. Talvez, a síntese do país.

Nota: Humpf

Saturday, May 20, 2006

Estrela Solitária

Porque cinema é imagem

Uma clássica paisagem no meio oeste americano. Um cavaleiro bate em retirada ao fundo. Esse é apenas um take de uma super produção sendo rodada em Nevada. Só que o cavaleiro não volta. Ele quer fugir. Quer seguir outros caminhos. Sozinho. Tentando se encontrar. Tentando se perder.

Esse é o inicio de Estrela Solitária, do alemão Wim Wenders, apaixonado pela terra americana. E o cavaleiro é Sam Shepard, dramaturgo, ator e aqui tambem o roteirista, que encarna com perfeição um personagem tão rude e distante que se chega a pensar durante quase todo o filme se esse cara afinal tem sentimentos. Ele tem sim. Mas tem medo.

Howard Spencer (Shepard) é um astro em declínio que nos últimos 30 anos saboreou as revistas e jornais com sua vida conturbada por escândalos sexuais, agressões e uso de drogas, enquanto protagonizava faroestes de sucesso. Um dia ele resolve deixar o set de filmagens e parte sem rumo. Ou talvez não. Curiosamente o set não estava tão longe da sua cidade natal, onde está sua mãe. E ele não a vê há 30 anos! Num misto de superficialidade e carinho, eles quase se comportam como se nada tivesse acontecido. Ele fica sabendo que um dia teve um filho. Com uma namorada de outra cidade. Talvez mais por dar algum sentido a sua vida (aos moldes de Bill Murray em Flores Partidas) do que tentar corrigir os erros do passado, ele parte em busca desse filho.

É em Butte, Montana, enquanto os produtores e a equipe se descontrolam para tentar achá-lo, que os personagens mais interessantes se cruzam. Há o filho, Earl (Gabriel Mann), cantor em pub empoeirado, com uma namorada tão perturbada quanto o seu comportamento. Sim, ele repete, sem saber, e em menor escala, os mesmos comportamentos do pai desconhecido. Há Sky (Sarah Polley) que ruma perdida, ou talvez não tão perdida assim, com a mãe debaixo do braço num vaso cheio de cinzas. E há Doreen (Jessica Lange) . Uma ex-garçonete que virou a dona de um bar. Endurecida e amargurada. Numa das melhores composições de sua carreira, apenas num papel coadjuvante, Jessica faz sua Doreen brilhar. Porque ela é Jessica Lange. Não é por possuir dois Oscar que ela é boa. É porque ela imprime em apenas um olhar toda a amargura e dor que viveu dentro de Doreen em mais de 20 anos.

E o alemão tem estilo. E como tem. Numa simples cena de alguém dirigindo na estrada ou uma moça que dança com movimentos desconexos em cima de um sofá jogado na rua, são imagens que retemos. E nos fazem lembrar de que no fundo cinema é isso. Sao imagens. De coisas ditas ou não ditas, ficam as suas imagens. E o segundo grande filme do ano, depois de 2046. É isso.

Wednesday, May 17, 2006

A Especulação Contra-Ataca

Na República Capifinanceira e supostamente Federativa do Brasil, na dúvida, os interesses protegidos são sempre os dos bancos ou da especulação imobiliária. Para cada notícia boa que temos, surgem cinco ruins. E no mundo da sétima arte isso é trágico. Semana passada os cinéfilos - inveterados ou nem tanto - perderam para a ganância mais um cinema, o Top Cine.

Encarapitadas num shopping decadente por falta de loja-âncora, os proprietários novos resolveram, para utilizar a linguagem do mercado, rentabilizar as duas salas do Top Cine e aumentaram o aluguel. Sem recursos para investir na melhoria do espaço e atrair mais público e fazer frente à sanha de usura da imobiliária, os administradores resolveram fechar.

Os donos do espaço agora vazio ainda não sabem o que vão fazer. Provavelmente daqui a uns três anos vai estar lá um multiplex com cinco salas apertadas passando X Men 5, MIP 6 ou alguma outra franchise. Claro com muita pipoca na manteiga a preço de PF em padaria metida à besta. Pode ser até pior. Ficar um espaço fantasma durante muito tempo, como o do falecido Astor, para depois virar um Bingo ou coisa que o valha.

A falta de visão de proprietários, que só enxergam índices de reajuste nos contratos de aluguel, e a timidez (ou falta de fôlego $$$) do pessoal do Estação Botafogo, que chegou a ter o Belas Artes e Studio Alvorada na sua carteira de salas em São Paulo, nos causaram mais esta derrota.

Será que esta gente só vai sossegar quando a Avenida Paulista virar um deserto de cultura?

Monday, May 08, 2006

Caché

Esconderam o roteiro

Caché, em francês, quer dizer escondido. Caché também é o nome do mais recente filme de Michael Heneke, muito bem recebido pela crítica e que foi visto no fim de semana até pela ex-prefeita Marta Suplicy.

Os ingredientes do filme são matadores: diretor corajoso, protagonistas de peso (Daniel Auteil e Juliette Binoche) e história intigrante. Auteil é um apresentador de TV metido e Binoche trabalha numa editora mas, no fundo, não passa de uma dona de casa carente . Ambos se vêem às voltas com estranhos vídeos que lhes são enviados, sem identificação, sem nenhuma explicação ou exigência. Apenas mostram que há uma câmera escondida vigiando os passos da família, acompanhados de desenhos sem nenhum sentido aparente.

A linha escolhida é o terror psicológico. E não, não tem monstro nem alma penada. Isso é cinema europeu realista. Como se nota, os ingredientes apontavam para uma iguaria cinematográfica saborosa.

Poderia funcionar muito bem, e funciona até uma certa altura mas desanda por um motivo simples: parece que o roteiro ficou tão bem escondido que ninguém achou a solução. Tudo bem, não precisa ser aquele tipo de história que segue à risca o padrão Syd Field, que pede o primeiro turning point não antes nem depois mas exatamente aos 23 minutos. No entanto, é preciso deixar o espectador entender porque afinal ele comprou ingresso e contar a história de forma minimamente inteligível.

Nota: Humpf!

Sem dinamites, modeletes e pin-ups

Não. Não queremos explodir os quarteirões. Primeiro porque não somos terroristas. Segundo, porque blockbusters são, via de regra, muito chatos. Queremos aqui discutir e opinar sobre cinema, aquela velha arte de fazer um roteiro e, por meio de um diretor e alguns atores, contar uma história interessante. Defeitos especiais e trilhas sonoras tonitruantes ou grudentas também não precisam aparecer. Vamos encher o saco de alguns, pegar no pé de outros e elogiar de vez em quando. Se você só vai ao cinema para comer pipoca, tomar coca de 700 ml pelo preço de três 2 litros no supermercado e sua noção de filme bom é "pura diversão, porque não gosto de pensar", então dude, you've come to the wrong place. Take a hike. Hasta la vista!